domingo, 25 de março de 2007

método

Pareceu-lhe conveniente abrir uma manga. Ele havia comprado a fruta no mesmo dia de manhã, fugindo do seu hábito comum de só comer maçãs e pêras. Era uma manga espada, como se diz, daquelas que mantêm suas cascas verdes, apesar de estarem maduras por dentro, e suam, e são as mangas mais doces – e também as mais cheias de fiapos, quase que feitas unicamente de fios inseparavelmente presos a um caroço.

Pela ampla janela de seu apartamento olhava o trânsito na avenida São João. Era um fim de tarde quente e úmido. Decidira abrir a manga. Pegou a fruta, que deixara na geladeira, e sentiu algum leve prazer em projetar qual seria a melhor maneira de comê-la: primeiro tiraria a casca, com o maior cuidado possível, para que saísse apenas ela, para que não se perdesse nada da fruta. Em seguida, cortaria a manga retirando toda a polpa do caroço. Este devia estar limpo ao fim do processo, e seria dispensado. Cortaria a polpa então em pedaços nem muito grandes, nem muito pequenos, que seriam degustados em seguida.

Pegou uma faca que usava já há muitos anos especificamente para descascar frutas (inclusive em viagens). Era uma faca com história. Iniciou o processo. Ao cortar pela primeira vez a casca da manga, teve uma surpresa: o seu interior era muito mole, e um tanto disforme, e os fios da polpa se prendiam à casca, o que o impedia de tira-la separadamente: saía sempre levando uma boa parte de fruta, que ele dispensou um pouco decepcionado. Restava já menos fruta do que aquela pela qual havia pago: perdera algum dinheiro, que era pouco, mas se fossem muitas mangas, pensou, certamente somaria uma boa quantia. Esse método não era satisfatório. Passou, no entanto, à etapa seguinte, mas, na tentativa de retirar a polpa, viu que os fios não se descolavam do caroço, e cada vez que passava sua experiente faca pela fruta só fazia tirar mais e mais o seu suco. Seguiu realizando o mesmo movimento repetidas vezes, muitas vezes, até que sobrou apenas o caroço com os fiapos, seco, e todo o suco havia escorrido pela sua pia.

Enfurecido, e não menos estupefato com o fato de ter gasto o seu dinheiro à toa, numa fruta que escorrera quase toda pelo ralo, cortou o caroço ao meio, na esperança de que ali encontrasse algo comestível, uma amêndoa, ou algo assim. Mas por dentro o caroço era oco: não havia nada. O caroço era um compartimento feito de uma espécie de fibra grossa, aonde não se guardava nada. Vazio. Absolutamente inútil. Esse caroço cortado ao meio e seco ele jogou no liquidificador com um pouco de água, e bateu. Muito. Até desfazer.

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