quarta-feira, 2 de maio de 2007

SISIFISMO

Encontro somente em minhas lágrimas. Eu estou nadando em minhas lágrimas. Caibo dentro de uma gota caída. Eu estou me afogando dentro de uma gota de lágrima que escorreu pelo meu rosto e caiu no asfalto. Eu estava chorando sentado na calçada. Estava sentado na calçada quando passaram muitos carros e então eu estava chorando. Sentara depois de ter caminhado mil quilômetros indo e voltando nesse mesmo quarteirão porque era ali que eu tinha de entregar uns papéis. Uns papéis cheios de letras e cheios de palavras. Estava carregando uma série de papéis escritos mil páginas de anotações que eu precisava entregar no escritório naquele quarteirão uma por uma. E havia ainda mil páginas em minhas mãos com as anotações de mim mas eu me sentei na calçada e passaram mil carros as luzes se acenderam e escorreram-me lágrimas dos olhos. Eu estava nadando em minhas lágrimas que escorriam pela sarjeta limpa mas o sol ainda estava nascendo. Afogara-me em minhas lágrimas por alguns momentos e o céu começou a pingar gotas de chuva salgada muitas gotas uma enxurrada de lágrimas que levou as mil páginas e eu iria levantar e subir ao escritório de mãos vazias ao que me diriam reescreva. E eu reescreveria mil páginas uma a uma sentado na calçada com a chuva escorrendo dos meus olhos borrando as letras e as palavras uma a uma. Andaria mil quilômetros de um lado pro outro entregando as páginas de palavras cheias de letras cheias de lágrimas borradas algumas cairiam pelo caminho e no escritório me perguntariam onde estão as que caíram pelo caminho. E lá vou eu atrás das folhas pelo caminho por entre outros seres humanos cada qual caminhando quilômetros com suas mil vidas nas mãos e quando lá estava eu caminhando dentre eles percebi que meus olhos vazavam novamente. E vi que não tinham conserto nem o vazamento nem eu quando alguém outro ser humano abaixado levantou-se e tinha uma página nas mãos com uma palavra minha borrada pelas suas lágrimas. Entregou-me e eu pensei de que me serve isso coloquei-a dobrada no seu bolso. E sabia que teria de reescrever aquela palavra ainda que fosse borrão de lágrimas incontroláveis mil lágrimas do sorriso daquele ser humano com a palavra dobrada no bolso. Mas não havia o que fazer a não ser seguir caminhando de um lado pro outro carregando as páginas sob a chuva de mim subindo e descendo o elevador que levava ao escritório. Elevador panorâmico de lá eu olhava o sol nascendo e as gotas do lado de fora do vidro. Olhava as gotas enquanto inventava o que reescrever. E reescrevia alguma coisa alguma idéia que às vezes me ocorresse de olhar todas aquelas luzes quanta gente lá embaixo cada qual carregando calhamaços inteiros. Algumas palavras que eu relembrava de um dicionário que nunca lera. Queria fazer uma coleção imensa de infinitas mil palavras lado a lado recordadas de algum lugar de uma muda conversa num balcão de um livro lido relido esquecido. Uma coleção variada de página por página. No corredor do escritório abriam-se as janelas e o vento carregava as folhas por aí afora. Eu chegava de mãos vazias e então eles me diziam vá buscar. E eu saía pela rua página por página e cada uma delas ocupava um pedacinho do chão. As palavras pisoteadas lidas e relidas pelos passantes cabisbaixos. Então precisei reescreve-las como sempre uma a uma novamente. Quando eu colecionava no meio do caminho uma ou duas palavras e sentado na calçada antes de entregá-las relia uma ou outra delas no meu rosto formava-se um sorriso calmo.

3 comentários:

Petra Costa disse...

e um sorriso calmo se forma no meu ao admirar suas palavras

Anônimo disse...

Só passei pra dizer que li os textos, e deixar um abraço.

Anônimo disse...

gostei muito!!! é um texto imantado apesar de angustiante. Incrível.