terça-feira, 10 de junho de 2008

Memórias 1



Um pedaço de papel em cima da mesinha da sala, ao lado do corrimão dourado na luminosidade fresca que escorria do alto do vitral escada abaixo. Escrito Tercimina. Ela tinha um pano na cabeça, um sorriso de dentes desorganizados e era a empregada. Tercimina porque terceira menina ela disse. A Nona de visita reparou que o T de Tercimina não se sabia se era T ou se era F. Não dá nem pra saber ela falou gozando um pouco da Tercimina. Que disse no quintal: na Alemanha é que dão valor aos pretos. Lá uma preta como eu vale muito. Foi o que ela falou limpando merda do cachorro me lembro. A Nona às vezes falava Que Horror com pronúncia cênica. Depois havia a Aracy que era maior e mais gorda e ria sem conter-se. Ninguém não se incomodava não. Ela falava. Nada que seu Hugo faz presta. E ria e eu ria. Ela gostava de forró e contava ontem peguei um moço um mocinho no forró. E ria. Ela veio do Piauí. E ria risos escancarados, assim como os risos do Justino bêbado: pra entrar em cena tem que ser malandro. Ele é ator, fez EAD. Acho que agora estava num bico de coveiro ao que parece enterrando gente não sei onde em Guarulhos. Uma vez passei na frente da casa dele e ele na mureta me chamou do outro lado da rua cheguei lá. Esse é meu cachorro. Ele é chique, só come fora. Tava lá o cachorro revirando uns lixos. Com um sorriso saltando pra fora da boca e bafo de cachaça matinal ele disse meio molengo teu pai é o único que confia em mim. Em cena ele também era assim, só que iluminado - detrás da mesa de luz um homem de dois metros de altura, Cacá, o iluminador; fino e com bigodes, ele parecia saber o que estava acontecendo, ainda que quase cego, de tão míope. Às vezes eles estavam ensaiando e até eu já tinha decorado o texto. Ensaiavam por exemplo na casa de um, que era uma casa onde o teto só não caía porque ficava apoiado em um toco de madeira entre o teto e o armário casas Bahia vagabundo de metal da parede mal pintada da cozinha.


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